Em ato ilegal, Temer exonera presidente da EBC
Por Pedro Martins
do Canal Ibase

Brasília – Jornalista Ricardo Melo toma posse no cargo de diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação – EBC (Juca Varella/Agência Brasil)
O Diário Oficial da União publicou hoje o decreto assinado pelo presidente interino Michel Temer que exonera o jornalista Ricardo Melo da função diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). O decreto contraria a lei que criou a EBC em 2008 e estabeleceu que o mandato do diretor-presidente é de quatro anos, não coincidentes com os mandatos do presidente da República. Ricardo Melo foi empossado dia 10 de maio deste ano e deveria permanecer no comando da empresa até maio de 2020. O jornalista já informou que tomará as medidas cabíveis para garantir o exercício de seu mandato.
A ex-presidenta da EBC, Tereza Cruvinel manifestou-se imediatamente sobre o episódio em carta aberta a Michel Temer. Num dos trechos Tereza afirma: “Senhor presidente: a sociedade reconhece a TV Brasil e os canais EBC como coisa sua. E protestará contra a destituição do diretor-presidente ao arrepio da lei, não para defender um direito subjetivo dele. O que está em causa é a inobservância da lei e a preservação de um direito difuso da sociedade brasileira, o direito a uma comunicação pública complementar e independente, asseguradora da expressão da diversidade e da pluralidade, característica das sociedades democráticas.”
Antecipando-se à movimentação de Michel Temer, o Conselho Curador da EBC lançou uma nota no último sábado (14) ressaltando a preocupação com as consequências que uma possível mudança na direção da empresa poderia trazer para sua autonomia: “Para preservar sua autonomia no desenvolvimento da comunicação pública, a EBC é também dotada de dispositivos legais presentes no artigo 19 da Lei11652/08 que conferem mandato ao seu Diretor-Presidente que, uma vez nomeado, não pode ser destituído a não ser por vontade própria do mandatário ou grave desrespeito aos ditames legais que regem suas funções e responsabilidades, e só por deliberação do Conselho Curador.”
A diretoria executiva da EBC também se manifestou na sexta-feira (13) sobre um ainda possível afastamento de Ricardo Melo: “a nomeação de novo diretor-presidente para a EBC antes de término do atual mandato violará um ato jurídico perfeito, princípio fundamental do Estado de Direito, bem como um dos princípios específicos da Radiodifusão Pública, relacionado com sua autonomia em relação ao Governo Federal.”
Além de tais manifestações institucionais da empresa, movimentos sociais ligados a pauta da comunicação lançaram um manifesto em defesa da comunicação pública contra a exoneração e o desmonte que o governo interino aponta para a empresa: “Alertamos para os perigos que esse patrimônio da sociedade brasileira corre. Repudiamos a decisão do governo interino de destituição ilegal do diretor-presidente em plena vigência de seu mandato, publicada no Diário Oficial da União deste dia 17 de maio, e exigimos a imediata revogação da medida, com sua manutenção no cargo. Também nos questionamos ameaças que circulam por meios não oficiais, como a redução da estrutura de pessoal ou o desvirtuamento dos princípios, objetivos e missão da empresa, bem como qualquer ataque à Lei da EBC e ao projeto da comunicação pública. A EBC, que sempre esteve ligada à sociedade por meio do seu Conselho Curador, representativo das esferas da sociedade civil, governo, setor privado e empregados, não pode ter seus alicerces legais e finalidades atingidas pelo governo interino. Este projeto não pertence ao Executivo nem a qualquer partido, mas à sociedade brasileira.”.
Nesta segunda-feira (16) também foi realizada no Rio de Janeiro uma reunião em defesa da comunicação pública e da legalidade. Também está sendo elaborada uma nota contra o ato de demissão de Ricardo Melo pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
Macri também atacou a comunicação na Argentina
A atitude de Michel Temer trouxe aos defensores da democratização da comunicação a lembrança imediata do desmonte promovido por Mauricio Macri contra a Lei de Meios na Argentina. Assim que tomou posse, o presidente argentino emitiu três decretos que colocaram abaixo toda a estrutura da lei. Em um deles, Macri realiza uma intervenção na Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFSCA) e transfere as responsabilidades do órgão para o Ministério das Comunicações, tirando sua independência. Nesse mesmo decreto, toda a direção da AFSCA, que tinha mandatos indepentes e não coincidentes com a presidência da República, foi destituída.
Vale lembrar que, por conta de tais decretos, Mauricio Macri foi denunciado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH-OEA). A denúncia foi rapidamente aceita pela Comissão por avaliar que todos os decretos emitidos por Mauricio Macri violavam os estândares internacionais de liberdade de expressão. A lei argentina, que foi considerada pelo então relator sobre liberdade de expressão da ONU, Frank La Rue, um exemplo a ser seguido por outros países, ainda não conseguiu reverter internamente os decretos de Macri. O presidente utilizou inclusive força policial para impedir a entrada dos diretores da AFSCA no prédio da entidade.
Lei que cria a EBC é considerada avanço para comunicação pública
Apesar de o Brasil não ter feito uma lei tão profunda como a Lei de Meios argentina, a lei que criou a EBC sempre foi vista como um avanço no debate da discussão sobre comunicação pública e democratização dos meios de comunicação. A EBC possui diversos mecanismos de participação popular, como seu Conselho Curador, que tem representantes do governo federal, dos trabalhadores da empresa e da sociedade civil. Além disso, dispõe também de uma ouvidoria que recebe e encaminha as demandas da população que acompanha os veículos da empresa.