Entrevista: Moema Miranda faz balanço da COP 21
Cinco dias após o fim da COP 21 realizada em Paris muitas avaliações foram realizadas, algumas considerando positivo o acordo assinado e outras com críticas. Moema Miranda, diretora do Ibase, esteve presente na Conferência e Paris e aponta quais as principais questões que tal acordo impõe na agenda da luta contra o aquecimento global. Segundo ela, os interesses das grandes corporações prevaleceram e a continuidade do modelo atual de produção e consumo pode trazer consequências trágicas à vida no planeta.
Entretanto, para combater este avanço da destruição da natureza faz-se urgente “a construção de um movimento ecológico forte de base e popular ligados à lutas reais.” diz Moema. Leia a entrevista e saiba mais sobre a COP 21 e as tarefas dos movimentos sociais após esta Conferência.
Canal Ibase: Com relação ao acordo assinado em Paris, algumas avaliações o colocam como positivo e outras trazem bastante crítica. Como você o analisa?
Moema: Tem tido uma leitura geral de que existem os pessimistas e os otimistas. Essa é uma forma ruim de colocar a questão, pois parece individualizar as reações. Trata-se de um acordo que foi assinado por muitos países num processo de negociação em que foram abandonadas todas as cláusulas mais importantes que pudessem implicar uma alteração mais radical do sistema que vivemos. Sistema que é a causa mais forte do aquecimento global. O acordo reflete os interesses das corporações que dominam o sistema.
CI: E quais podem ser as consequência de um acordo que voltado para a manutenção do Sistema?
Moema: O aquecimento global é um indicador da forma de produção e consumo que tem gerado um poder crescente para as corporações e um empobrecimento crescente de uma grande camada da população. Esse sistema não foi questionado. Embora tenha fica explicíto no acordo necessidade de aumentar temperatura até 2 graus. Quando você vai no âmago, ele não tem consistência. É um acordo que entra em vigor em 2020 e vai até 2050 e que nós sabemos da urgência, mas que pode dar margem para uma destruição irreversível das condições de vida no planeta. Como as grandes mídias estão envolvidas no negócio, um acordo tão insuficiente pode ser vendido como um bom acordo só por ter sido assinado por todos. A presença dos grandes lobbys foi evidente e o acordo reflete esses interesses.
CI: Indo para questões mais específicas, como foram as atividades que você participou na COP 21?
Moema: Participei das atividades promovidas pelo Diálogo dos Povos, que reúne movimentos sociais da América Latina e da África, pela Womin (Mulheres camponesas contra a destruição dosrecursos extrativistas na África) além de muitas parcerias com CIDSE (Aliança Internacional da Organizações Católicas). Foram organizados debates sobre questão do pós-extrativismo, Africa not for sale (África não está a venda) e reuniões da Coalizão Clima 21, que já integravamos mas que integraremos com mais força. A Mineração teve papel importante nas discussões porque a superexploração dos recursos naturais e a reprimarização das economias da América Latina e da África está vinculada à forma de exploração da natureza e ligada a uma lógica da obsolescência programada e do desperdício. Por isso a luta por igualdade e contra desigualde tem centralidade para atingirmos uma justiça ambiental. Neste sentido, o Ibase se alinha com os que defendem a mudança do sistema para haver mudança no clima.
Vale ressaltar que essa articulação de mulheres camponesas teve papel importante e espera se fortalecer mais ainda nos movimentos locais, fortalecendo a base. Além desse fortalecimento, querem participar das articulações internacionais por avaliar que sistema é planetário.
CI: Apesar de sentirmos os efeitos do aquecimento global, parece ser difícil mostrar que se trata de uma questão política. Como fazer isso?
Moema: O desafio é como vincular tema das mudanças climáticas com as lutas concretas. Muitas vezes parece uma questão técnica de quantos graus podemos deixar a temperatura subir. Tem uma intencionalidade nisso. É preciso fazer uma ruptura, uma luta anti-sistêmica. É fundamental que esse movimento seja articulado nas cidades, favelas, juventudes, mulheres e demais movimentos. Só uma articulação forte de todos esses movimentos da sociedade civil pode salvar a vida no planeta. Tem um exemplo que vale citar, quando a gente começou a trabalhar aqui no Ibase a questão do orçamento, vimos que precisava traduzir o tema para o cotidiano das pessoas. Com relação a mudança climática é a mesma coisa, ela é vivida pelas pessoas mas precisa ser traduzida e politizada.
A forma de exploração que o capilismo destrói a a natureza e as condições de vida dos mais pobres. Na encíclica Laudato Si’, o Papa diz isso sobre a destruição das condiçoes de vida do planeta: “ Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra”. Por isso Alberto Acosta tem artigo com título muito sugestivo “Para haver paz na Terra é preciso haver paz com a Terra.”
CI: Por fim, qual a importância do ato unitário dos movimentos sociais no último dia e a continuidade desta mobilização?
Moema: É fundamental que a gente não se demobilize como sociedade civil, pois estamos num momento histórico. No sentido de que hoje os poder das corporações se tornou quase que absoluto. E é um poder que destrói todas as condições de sobrevivência no planeta. A urgência é a construção de um movimento ecológico forte de base e popular ligados à lutas reais.
A Manifestação do dia 12, que acharam que não aconteceria por causa da repressão devido aos ataques terroristas, foi importante porque foi realizada apesar do clima que rondava Paris por conta dos ataques terroristas. Até a véspera havia dúvida se ela seria realizada. Foi importante a persistência de manter um evento unitário porque permintiu uma grande manifestação, uma palavra final dos movimentos sociais em defesa de uma nova forma de vida contra o sistema para salvar o planeta e a vida. Apesar do sistema de segurança a unidade foi mantida e foi uma força vibrante daqueles que não vão desistir.