Espetáculos de resistência
Camila Nobrega e Rogério Daflon
Do Canal Ibase
O lúdico conquistou espaço nos atos realizados neste fim de semana. Para quebrar a dureza do enfrentamento quase diário com a Polícia Militar do Rio de Janeiro, manifestantes lançaram mão da criatividade na hora de protestar e reivindicar. No sábado (20/07), na Vila Autódromo, comunidade de Jacarepaguá sob ameaça constante de remoção pela prefeitura, os moradores discursaram duramente contra o poder público, mas também usaram o bom-humor. Uma das marchinhas mais famosas do carnaval carioca os ajudou a dar o recado: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”. Já no domingo a Lapa assistiu a uma revitalização muito além da propalada pelo poder público. O bairro foi tomado durante todo o dia por performances artísticas, debates e a comprovação de que a arte é um instrumento poderoso de conscientização.
Presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo (que vem recebendo constantes ameaças de remoção por parte da prefeitura), Altair Antunes disse que o engajamento dos moradores na manifestação do último sábado mostrou a força da comunidade. Acompanhado por mais de cem PMs, o trajeto do protesto foi longo, e sugeria uma procissão, com início na Avenida Abelardo Bueno, passando pela Estrada dos Bandeirantes e terminando no Projac, da Rede Globo. Foram quatro horas de protesto em que a população se mostrou incansável.
– Fizemos um ato contra as Organizações Globo, que nos chama de invasores sem ouvir nossos argumentos. A Vila Autódromo está consolidada há 40 anos, e as famílias têm documentos de concessão de uso por 99 anos dado pelo próprio governo do estado – disse Altair.
Os protestos mais contundentes se mesclavam com rimas e refrões parecidos com aqueles do tempo em que tinha povo no Maracanã: “Não é mole não, a Rede Globo apoia a remoção”, gritavam alguns. “Ô, Paes, seu m…, removeu muito mais do que o Lacerda”, completavam outros.
O fantasma da remoção da Vila Autódromo tem aterrorizado as famílias ali. Durante a manifestação, a diarista Maria do Socorro ressaltava a dificuldade de se erguer uma casa.
– Eu e meu marido morávamos num cubículo em Copacabana, perto da casa de máquina dos elevadores num prédio em que ele era porteiro. De repente, por economia de custo, resolveram demiti-lo. Ficamos sem casa de um dia para o outro, até que fomos para a Vila Autódromo onde construímos uma casa há 15 anos. Pouca gente nessa cidade imagina como é ficar sem moradia. E o que temos por parte do prefeito é sempre a intenção de remover, nunca de dialogar.
Altair Antunes reforça as palavras de Maria Socorro ao frisar que o fato de o próprio prefeito Eduardo Paes estar constantemente anunciando a remoção tem feito muito mal a idosos e crianças.
– Isso faz mal a todo mundo, mas os mais novos e os mais velhos são os que sofrem mais com essas ameaças. Eu sei o que é isso. Quando tinha 14 anos, sofri minha primeira remoção, quando morava na Favela Caiçaras, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Minha família foi posta num caminhão e, como não tinha sequer janela onde eu estava sentado, fomos sendo levados para a Cidade de Deus sem ao menos eu entender que caminho era aquele. Chegando lá, o que minha família viu foi um lugar totalmente sem infraestrura, sem mercado, sem farmácia, sem escola, sem nada.
A manifestação passou por outra comunidade próxima à Vila Autódromo: Asa Branca. Para Altair, não vai demorar muito para que eles também sofram ameaça de remoção.
– Por isso, passamos por lá. Sabemos que não é fácil esse processo. Há 20 anos estamos sendo ameaçados, e não vemos no Judiciário uma disposição para resolver o problema, preferindo não se desgastar com o poder público. Mas, como nosso movimento não é de agora, vamos continuar resistindo.
Ocupa Lapa reúne arte e política
Na Lapa, o lugar de resistir foi a rua, já que, no domingo, bares e restaurantes estavam mais vazios do que o normal. Um mês após o bairro ter se transformado em campo de guerra, com manifestantes encurralados por bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, os sons ouvidos eram outros. Desde às 10h, o movimento Ocupa Lapa levou às ruas crianças, jovens e idosos. No final da manhã, instrumentos de sopro e percussão atravessaram as ruas principais dando o tom de um cortejo fantasiado e bem-humorado do bloco do Nada, que tem comparecido a vários protestos. Logo depois, saias coloridas e rosas no cabelo deram o aviso para o início da roda de coco do grupo Zanzar, juntando cerca de 200 pessoas sob o som de alfaias, atabaques e ganzás, instrumentos típicos do ritmo nordestino.