Professores seguem em greve de fome na Tunísia
Camila Nobrega
Do Canal Ibase
De Túnis, Tunísia
Há 21 dias, um pequeno sobrado na região central de Túnis, da Tunísia, abriga uma luta urgente por direitos. É uma casinha que chama atenção em uma rua pouco movimentada, porém próxima à ruas fartas de restaurantes e hotéis, onde ficaram hospedados a maior parte dos estrangeiros que estiveram na cidade para o Fórum Social Mundial (FSM) 2015, que aconteceu entre os dias 24 e 28 de março. Da estreita porta rodeada de papéis escritos em árabe entram e saem pessoas todo o tempo. Ali está uma ocupação que foi iniciada com 23 homens e mulheres tunisinos e tunisinas, como contamos há cerca de uma semana no primeiro texto sobre o assunto. Eles e elas estão em greve de fome. São pessoas com diplomas de graduação e alguns até de mestrado e doutorado, mas sem empregos. Para além da alta taxa de desemprego entre jovens na região, eles são fruto dos desafios da transição democrática iniciada em 2011 no país e enfrentam a violação do direito a exercer suas profissões no sistema público de educação da Tunísia. Quando estivemos no local, durante o FSM, algumas pessoas já estavam enfrentando dificuldades sérias em decorrência da falta de alimentos. Agora, a saúde de algumas pessoas começa a apresentar complicações graves. As últimas informações foram obtidas a partir de doutorandos de universidades da Tunísia que apoiam a causa dos grevistas.
Os homens e mulheres que iniciaram a greve de fome são ex-militantes da União Geral dos Estudantes da Tunísia (UGET – o que seria o equivalente à União Nacional dos Estudantes – UNE ) e fizeram parte das revoltas que levaram à “Revolução de Jasmim”, que depôs o ex-ditador Ben Ali, no final de 2010. Segundo eles, por questões políticas, há impedimento para que qualquer um assuma cargos para lecionar nas universidades tunisinas. Todos e todas os/as grevistas prestaram concursos públicos recentemente e foram aprovados/as, mas, mesmo após o fim da ditadura de Ben Ali, são mantidos em uma lista negra do país que os/as impede a entrada no quadro de professores das universidades.
“A ditadura acabou e, constitucionalmente, os tunisinos têm mais direitos garantidos (a nova Constituição entrou em vigor em 2014), mas queremos nossos direitos de fato, não apenas no discurso”, diz Samir Fouroh, um dos grevistas, professor de sociologia.
Antes do atentado que deixou 21 pessoas mortas (entre elas um brasileiro), no Museu do Bardo, no Centro da Tunísia, o movimento conseguiu visibilidade em alguns organismos de mídia no país, mas, após o atentado, as páginas dos jornais estão centradas no ato, reivindicado pelo grupo Estado Islâmico. “A desculpa é que o atentado é o assunto mais importante, mas, na realidade, é o que atrai mais atenção. É uma escolha que os meios de comunicação fazem e não há espaço para os movimentos da sociedade civil”, disse Zied Kussem, também em greve de fome.
Representantes da delegação brasileira no Fórum Social Mundial fizeram uma visita de solidariedade ao local. No chão, os colchões dos grevistas ocupam quase toda a área, rodeados de garrafas de água. Acima de cada colchão, papéis com letras coloridas indicam o nome de cada pessoa. Junto a eles, rosas, fotos de mártires da luta estudantil do país, e frases, como “por uma vida digna, uma vida justa”. Durante a visita, Nojwa Ben Amor, uma das grevistas, sentiu-se muito mal em consequência da falta de ingestão de alimentos. Uma ambulância veio socorrê-la. Há cinco dias ela estava apenas à base de água.
E por que a opção pela greve de fome? Samir Fouroh, um dos líderes do movimento, responde: “Não temos escolha. A falta de emprego é outra forma de nos fazer morrer de fome, só que mais silenciosa. Se fazemos concursos, somos aprovados e o governo não nos deixa assumir, ficamos sem ter para onde ir. É muito grave, não podemos esquecer que foi aqui o início da Primavera Árabe, que contou com a participação de mais de quatro mil movimentos sociais da região. Não somos contra o novo regime, nós o conquistamos, conquistamos a democracia, mas queremos a garantia de nossos direitos como cidadãos”, resassaltou Fouroh.
O movimento conta com apoio de estudantes universitários, mestrandos e doutorandos de universidades públicas do país, como Amel Hammi, doutoranda da Universidade de Direito e de Ciência Econômica e Política de Sousse, cidade da Tunísia, que esteve na ocupação: “Estou aqui para apoiar o movimento deles, que é também o movimento de todos os universitários e ativistas. É nosso direito ao trabalho e à luta política que estão em jogo.”
Um comunicado assinado pelo comitê nacional de ex-militantes da UGET foi divulgado no Fórum Social Mundial 2015, que acontece no Campus da Universidade El Manar, em Túnis. O documento diz que “depois das conquistas populares, não há uma mudança visível para o fim do sofrimento de ativistas tunisinos iniciado com as violações de direitos humanos do regime do ex-ditador Ben Ali. Desemprego, pobreza e a falta de liberdades civis torna suas vidas impossíveis.” O documento lembra, ainda, que em 2010 a organização Humans Rights Watch divulgou um relatório apontando que as violações de direitos na Tunísia haviam atingido níveis intoleráveis. O comunicado denuncia ainda que não há organizações da sociedade civil e movimentos sociais fora do controle de governo e que os mais atingidos são sindicalistas e estudantes.
Durante o regime de Ben Ali, os militantes foram oficialmente banidos de atividades dentro de órgãos públicos. Em janeiro de 2011, com o primeiro governo de transição, liderado por Mohamed Ghannouchi, houve anistia de perseguidos políticos. Mas ela não foi posta em prática e, em seguida, durante o governo do Partido Ennahda, uma lei permitiu a nomeação de parentes dos dirigentes do governo para assumirem cargos públicos. Agora, com o governo que assumiu em janeiro de 2015, de Habib Essid, a situação dos ativistas continua em suspenso. “A transição não ocorre de um dia para o outro, é um processo, mas há gente morrendo pela falta de direitos básicos na Tunísia”.
A expectativa do grupo é atrair atenção dos visitantes de várias partes do mundo que estão na Tunísia para o Fórum Social Mundial para aumentar a pressão sobre o governo do país. Durante o FSM, eles e elas receberam apoio de organizações das juventudes de diferentes partes do mundo, além de outros movimentos que estiveram no evento. Essa foi a 14a edição do FSM. Ele foi realizado pela primeira vez em 2001, na cidade de Porto Alegre, no Brasil. Em sua origem, foi proposto como um contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, que se realiza anualmente, em janeiro. Mas, atualmente, as datas de ambos os eventos não são coincidentes.