No lugar da propriedade, o compartilhamento
Camila Nobrega e Martha Neiva Moreira
Do Canal Ibase
A noção de propriedade sai do centro do debate sobre crescimento econômico e qualidade de vida na Europa para dar lugar ao que se chama economia de compartilhamento. É essa a opinião do ex-deputado federal e professor titular de Sustentabilidade e Dinâmica de Transformação da Universidade de Witten, Alemanha, Reinhard Loske. Ele esteve no Rio de Janeiro no final de fevereiro, quando participou do debate “Porque o crescimento pode ser um problema para garantir o nosso futuro?”. Loske falou sobre decrescimento, que ele prefere denominar “sociedade pós-crescimento” e sobre mudanças efetivas na produção de bens e do consumo. Enfatizou que há limites para o crescimento do ponto de vista do meio ambiente, além dos aspectos cultural e econômico e alertou para o consumo exagerado como uma forma de doença social. E foi surpreendido por debatedores e por uma plateia bastante crítica aos ideais de mudança na economia mundial a partir de uma perspectiva europeia. A troca de ideias se enriqueceu exatamente pela diferença de perspectivas e pelo dado de realidade que afeta a todos os países em desenvolvimento: seu lugar subalternizado na estrutura econômica mundial e todo um histórico que levou a uma desigualdade social sem precedentes.
Por outro lado, uma perspectiva que vem sendo construída a partir dos países em desenvolvimento mostra que o assunto não é só sobre crescimento e demanda de recursos naturais, mas sobre a desigualdade social e de poderes, inclusive entre nações. Foi exatamente esse debate que esquentou a vinda do ex-deputado federal e professor titular de Sustentabilidade e Dinâmica de Transformação da Universidade de Witten, Alemanha, Reinhard Loske. Ele defende a ideia de que, mesmo em um cenário bastante diferente do Europeu, a América Latina deveria voltar seus esforços para pensar mudanças como as que propõe a economia de compartilhamento. O objetivo seria construir um caminho para o crescimento econômico diferente daquele feito por nações europeias, muitas delas agora em uma forte recessão. “A economia compartilhada não deve ser algo para depois. E já há muitas atividades desse tipo ocorrendo na América Latina, como Airbnb, compartilhamento de bicicletas, entre outros. Creio que é algo muito promissor para países em desenvolvimento. Em países da Europa a questão da propriedade não é mais chave. O ponto central tem sido o acesso. As pessoas não querem necessariamente ter um carro, uma bicicleta. Elas querem garantir o acesso, mesmo que compartilhado”, afirmou em entrevista ao Canal Ibase após o debate.
O professor também engrossou o coro de especialistas que têm defendido a redução da importância dada ao Produto Interno Bruto como parâmetro para medir riqueza e qualidade de vida de populações: “Já sabemos que não há essa relação direta entre o Produto Interno Bruto (PIB) e o bem-estar da população. Esse indicador não é capaz de medir qualidade de vida e nem sequer da riqueza de uma forma mais ampla. O PIB não nos fala nada sobre educação, saúde, entre outros temas. Se não mudarmos nosso foco, não mudaremos as estratégias.”
Loske ressaltou durante sua participação no encontro que o crescimento econômico hoje se baseia, muitas vezes, no uso insustentável de recursos não-renováveis, na destruição da diversidade biológica e no nível extremamente alto da emissão de gases de efeito estufa. “Se os sistemas de crescimento criados pelos humanos corroem as bases naturais e reduzem as opções de desenvolvimento para gerações futuras, eles não podem ser duráveis. Além disso, do ponto de vista social, o crescimento somente contribui para um desenvolvimento sustentável se realmente beneficia pessoas. Por isso, precisamos de pioneirismo para inovações sociais e econômicas, mas também de ações políticas para apoiá-las e divulgá-las” afirmou o professor.
Em sua crítica sobre o modelo atual de crescimento econômico, o professor alemão falou também em decrescimento, conceito que gerou enorme debate, tendo em vista o cenário atual da América Latina, que aposta na geração de empregos formais, mesmo que de baixa qualidade, como forma de distribuição de renda. Para o economista José Carlos Assis, da Universidade Estadual Paraíba, é indiscutível a emergência de reduzir o impacto ambiental no planeta, mas o decrescimento não é uma alternativa. Segundo ele, fazer a economia crescer é fundamental, para ter acesso à inovações tecnológicas e redistribuir renda. “A Europa está estagnada. Nós, no Brasil, estamos estagnados. Não há outra saída para darmos conta de um iminente desemprego se não estimularmos o crescimento. Sem renda, não temos como redistribuir renda.”
Emanuel Bofe, fez uma provocação interessante ao professor Loske ao dizer que o Brasil é complexo economicamente e que por isso falar de economia de compartilhamento, em meio à desigualdade, é uma utopia. “O Brasil é um país de muitas economias. Temos a economia do sertão, da cidade, da favela, do campo, do nordeste que resulta em uma diversidade social, cultural enorme. Sem ter uma base comum entre as pessoas, como adotar uma economia de compartilhamento?”
Moema Miranda, diretora do Ibase, também convidada como debatedora enfatizou que, para além da noção de desenvolvimento sustentável com inovações e tecnologia, é preciso lembrar que, ao passo que cresce a produção e o consumo de bens em alguns países, em outros é a pobreza que se multiplica. É o resultado de uma lógica global pautada pela desigualdade. “Ainda devemos uma proposta de economia e ecológica construída a partir e com os mais pobres. No Brasil, o crescimento está baseado na reprimarização da economia, o que não implicou em justiça social.”
Loske argumentou que embora algumas propostas europeias pareçam distantes do cotidiano dos países em desenvolvimento, há hoje uma classe consumidora global vivendo nos países ricos, mas também na China ou aqui, na Zona Sul do Rio.” É o que ele chama de ricos globalizados e pobres locais.”
Quando o microfone se abriu para intervenções, foram muitas as manifestações pautadas pelo dia a dia de grupos marginalizados no Brasil. Um representante indígena afirmou: “Redução de crescimento para o meu povo virou risco de mais criminalização das nossas ações, da nossa vida na floresta.”
Após o debate, o convidado alemão fez questão de afirmar que não pretende dizer qual a saída para o Brasil ou a América Latina. Afirmou também que parar o crescimento não é uma escolha nossa de um dia para o outro. “Mas é importante perceber o que aconteceu em países europeus, para que as nações em desenvolvimento não repitam os mesmos erros.”