Rio perde laboratório de análise sanitária
Por Marília Gonçalves
do Canal Ibase
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A Constituição Federal estabelece, no seu 200º artigo, que é de competência do Governo Federal “fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano”. Parte deste trabalho era realizado no Rio de Janeiro, desde 1935, pelo Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Rio, no entanto, não conta mais com este serviço. O Laboratório, que funcionava ao lado do Maracanã e dividia o terreno com o antigo prédio do Museu do Índio, atual Aldeia Maracanã, foi fechado na última semana pela EMOP (Empresa de Obras Públicas).
Os prédios que compunham o Lanagro serão temporariamente ocupados pelas construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez, responsáveis pela reforma do estádio Mário Filho. Enquanto a obra estiver em curso, os funcionários das construtoras, que hoje trabalham em diversos containers instalados no mesmo terreno, farão das antigas salas de fiscais federais – veterinários, engenheiros, biólogos – seus escritórios de trabalho. Mais tarde, de acordo com plano do governo federal, o prédio será demolido para a construção de um shopping center e, possivelmente, um estacionamento.
Como já mostramos aqui, a movimentação em torno do caso da Aldeia Maracanã, que esteve também ameaçada pelo mesmo projeto, é bem grande. O caso do Lanagro, no entanto, ganhou muito pouco espaço nos meios de comunicação, apesar do risco a que toda a população do Estado fica exposta quando este tipo de serviço está em falta. Para Douglas Carrara, antropólogo indigenista, faltou mobilização dos próprios funcionários, temerosos de uma represália por parte do governo. “Como são funcionários públicos, muitos têm medo de que uma só canetada os transfira para Belém do Pará, por exemplo”, explica o professor, que conheceu o Lanagro a partir do envolvimento com o caso da Aldeia e está agora fazendo um documentário sobre a situação.
Moradores e turistas podem estar em risco
O Lanagro dava suporte laboratorial às atividades de defesa, inspeção e fiscalização de alimentos e bebidas que entram no Estado do Rio de Janeiro (mas não necessariamente ficam aqui, já que chegam pelo porto muitos produtos que são distribuídos para todo o país). Em outras palavras, realizava “análise físico-química e microbiológica de alimentos de origem vegetal, animal e águas de estabelecimentos industriais”, de acordo com a definição do próprio Mapa. Além disso, também eram analisadas bebidas como cervejas, sucos e vinagres.
A assessoria do Ministério afirmou ao Canal Ibase, por e-mail, que as análises passarão a ser realizadas em laboratórios localizados em outros estados. “O Laboratório será transferido para o prédio do Mapa. As reformas para a instalação do laboratório já estão em andamento. Enquanto são realizadas as reformas, as análises serão feitas em outras unidades do Lanagro, sem prejuízo para qualidade dos testes”. Existem instalações do Lanagro em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Goiás e Pernambuco, ou seja, os produtos apreendidos no Rio de Janeiro teriam de ser encaminhados aos laboratórios de SP ou MG, que estão mais próximos. No entanto, esses laboratórios não necessariamente têm as mesmas especialidades que o do Rio, então pode ser que o material tenha que ir ainda mais longe. “Tendo em vista que os produtos são perecíveis e que o Rio de Janeiro é o segundo maior mercado consumidor do país, a demora desta transferência pode colocar em risco a população. Sem falar que os demais laboratórios vão ficar sobrecarregados”, desabafa Douglas.
As condições da mudança para a Zona Portuária
Segundo o agrônomo Edson Amorim, funcionário do Lanagro, o laboratório estava ameaçado de ser despejado há dois anos, mas não havia outro local para ser instalado. Há relatos, no entanto, de que a pressão teria aumentado no final de 2012, quando ficou decidido que o Lanagro seria transferido para a sede do Mapa, na Rua Barão de Tefé, Zona Portuária da cidade. Finalmente, no dia 14 de janeiro, funcionários da EMOP “avisaram que a mudança deveria ser feita até o final deste mês”. Esta história foi repetida por diversos funcionários com quem conversei, que estavam desolados enquanto ajudavam a fazer a mudança. Mais de um entre eles estava abrindo mão de suas férias para estar ali e tentar evitar que todo o trabalho de anos se perdesse. Não tiveram muito sucesso.
O cenário que se via no momento da “transferência” do Laboratório era de total descuido com os materiais. Uma grande quantidade de equipamentos laboratoriais – tubos, ensaios, bastões de vidro – estava quebrada e jogada na chuva, junto com livros de registro que não mais teriam utilidade alguma, pois se encontravam dentro de sacos pretos de lixo completamente molhados. “Isso tudo é dinheiro público. Esse material custa uma fortuna e está todo perdido”, lamenta Jesus Gomes, engenheiro químico, fiscal federal que trabalha há cerca de 30 anos no Lanagro. Jesus foi um dos únicos funcionários que não se calaram diante da situação. Para Edson, uma transferência responsável duraria no mínimo três meses.
A irresponsabilidade da mudança não está relacionada apenas ao tratamento dado aos equipamentos e maquinário do Laboratório. O terreno onde ele está localizado, assim como o da Aldeia Maracanã, é (ainda) bastante arborizado e de clima agradável. Jesus conta, no entanto, que dezenas de árvores já foram cortadas pelos operários da reforma do estádio, sem autorização. “Essas árvores são centenárias. Tem árvore aqui que nem os biólogos souberam identificar, e os funcionários da EMOP disseram que vão cortá-las”, relata.
O conhecimento perdido e a dor dos funcionários

Jesus Gomes, funcionário do Lanagro
Segundo o professor Douglas Carrara, muitas das máquinas do Lanagro já se encontram no Mapa, mas em um galpão, inutilizadas. Não há previsão para o início das atividades neste espaço, que é bem menor que o antigo. “Até agora não fui informado que dia começo a trabalhar lá. Não existe informação oficial pra mim”, lamenta Jesus.
O engenheiro, assim como vários dos seus colegas de trabalho, tem passado dias difíceis. Ele tem tido dificuldade para dormir e repete, sensibilizado, sobre a possibilidade de represálias. A dor desses profissionais não se pode expressar aqui. Tampouco o dano que lhes é causado. Muitas décadas de experiência está sendo descartada, uma vez que vários estão deixando de exercer suas profissões e, sem laboratório, não têm como passar o conhecimento para terceiros. “Tudo por causa de dois jogos da Copa do Mundo”, lamenta Carrara. Ouvi de diferentes funcionários do Lanagro sobre a urgência de se aposentar. Eles parecem não ver mais sentido no trabalho que prestavam para o Ministério. “Hoje penso que a vida e a saúde são mais importantes”, conclui Jesus.
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30 de janeiro de 2013 @ 00:33
Segue link para os depoimentos dos fiscais da Lanagro:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=kq5y5Wtl4tU
Gustavo
30 de janeiro de 2013 @ 04:30
Nossa, essa é dura de engolir…
Wellington P de Oliveira
5 de fevereiro de 2013 @ 23:44
Os melhores ambientes, como este, estão sendo apagados do cenário carioca. Parte da minha formação acadêmcia aconteceu neste local , na década de 80.
Gilson Amado
15 de fevereiro de 2013 @ 08:12
Confesso que me é de grande surpresa que estes serviços que são de importância estratégica para o bem da população fosse desempenhado por este órgão. Surpresa tanto de sua atribuição quanto pela sua existência. Para mim isto era atribuição da ANVISA pois esta sim ocupa sempre algum espaço na mídia na abordagem deste tema.
Eu nunca ouvi falar em LANAGRO na minha vida, mas já que existe e com tão importante atribuição e responsabilidade, mais uma vez o nosso ESTADO , tanto no |âmbito FEDERAL com ESTADUAL se furta em dar a devida atenção e ênfase aos assuntos que nos são de tão relevante importância .Fora outros vários exemplos mais me fazem sentir um vazio no que toca a justificativa para a existência do ESTADO BRASILEIRO da forma que ele o é . E também serve para refletir sobre o ônus que receberemos de termos a realização da Copa do Mundo aqui, um evento que com certeza não será acessível a grande maioria do povo. Vamos ver se o bônus vai ser à altura . O que não creio.
Luiza
16 de junho de 2013 @ 16:12
O serviço publico no BR é uma vergonha… E o maior problema das instituições públicas é a falta de administradores competentes.. Se existissem, não ocorreria um fato infeliz como esse, que infelizmente são a regra…