Preservação ambiental, só com justiça social
Mariana Claudino e Natasha Ísis
do Canal Ibase
Embora a palavra sustentabilidade já esteja desgastada, a ideia que ela expressa ainda é poderosa o suficiente para mobilizar a sociedade civil em torno de estratégias para a construção de um novo paradigma civilizatório, que seja economicamente viável para todos e mais justo social e ambientalmente. O desafio é grande e exige das organizações sociais uma tarefa ainda mais difícil: estabelecer pontos de convergência, em meio a atual fragmentação dos grupos de esquerda, que levem a uma agenda comum de luta.
O esforço neste sentido é evidente, tanto é que semana passada um grupo de mais de 100 representantes de movimentos sociais do Brasil e de outras partes do mundo se encontraram em um seminário para debater as ameaças à vida no planeta, à democracia, à equidade e à diversidade. A ideia era refletir sobre essas ameaças e as implicações para a formulação de uma agenda em prol da radicalização da democracia e do bem viver.
O debate foi intenso e deixou claro que questões como o atual padrão de consumo e o impacto à vida do planeta; a defesa da preservação dos bens comuns, como a água e o ar, tão fundamentais à existência da vida na Terra; a valorização da diversidade, seja cultural, ética, biológica etc; o combate à intolerância; a defesa de uma cidadania planetária em que o conceito de território ganhe espaço; a criação de alternativas de combate à pobreza; o combate à violência; a valorização do conceito de redistribuição; a promoção do diálogo; a formação política de jovens; entre tantas outras, devem estar no centro da discussão.
Nas intervenções de muitos dos participantes foi possível perceber um consenso de que não haverá justiça social no planeta sem a preservação da natureza. “Vivemos em um sistema que supõe desigualdade e exclusão. É fundamental interligar justiça social com questão ambiental, com a preservação desse planeta. Os movimentos de preservação ecológica têm pouco a ver com os movimentos de justiça social. E falar em justiça social é falar em qualidade de vida: não há vida sem biosfera”, observou o diretor do Ibase Cândido Grzybowski, ao abrir a VII Plataforma Ibase, organizada em dois painéis, seguidos por 10 grupos de trabalhos e plenárias.
No primeiro painel do encontro, os problemas ambientais e as críticas à não solidariedade foram citadas pela maioria dos convidados, que opinaram sobre às ameaças ao chamado “bem-viver”.
A violência cotidiana contra as mulheres foi o tema abordado pela uruguaia Lilian Celiberti, da Articulação Feminista Mercosul: mais de mil mulheres morrem em todo o mundo e, para ela, isso ainda é um tema secundário na agenda política dos movimentos sociais. A convidada ainda lamentou que as pessoas não cuidem suficientemente das relações entre si. “Em meu pequeno país a maioria parlamentar é de esquerda. E há violação dos mais elementares direitos humanos.”
Já o ambientalista Jean Pierre Leroy, da ONG Fase, demonstrou sua preocupação com a ascensão da economia verde, baseada em uma tendência crescente de financeirização e mercantilização da vida. “Nunca pensamos que água, sementes, biodiversidade e conhecimento fossem nada além de acessíveis. A escassez não é natural, é provocada por um modelo capitalista produtivista”.
Para ele, a questão da privatização do conhecimento também é preocupante: quando discursos ligados à economia dominante são privilegiados por serem baseados principalmente em aspectos técnico-científicos, o pensamento da ciência social é progressivamente desclassificado. “Em todos os lugares, temos grupos sociais que estão atingidos, efetivamente doentes. Essa possessão pelo capital dos bens comuns não é só uma condição econômica. É também ideológica”.
Brian Ashley, editor da revista AMANDLA, da África do Sul, citou a crise ecológica em geral e aprofundou os problemas da realidade de seu país. “Estamos falando de vida e morte e, cada vez mais, a nossa realidade é mais como morte e não como vida. Eu venho de uma situação em que o governo de Mandela atirou em uma série de pessoas. O que isso nos diz sobre a natureza do Estado? Esta é uma realidade de África do Sul, mas nessa realidade temos uma série de questões sobre ameaças à cidadania”. E ainda frisou a importância da união entre países: “Precisamos transformar. Essa discussão é crítica, importante e crucial. Precisamos pensar em maneiras de como podemos tratar de comunidades tão afetadas, como os mineiros de Marikana e da África do Sul em geral. E, ainda, como desenvolver ligações entre sindicatos do Brasil e dos sindicatos da África do Sul. Por fim, Brian fez uma provocação relacionada à natureza autoritária dos governos: “Precisamos pensar outras formas de relação. Vamos começar a queimar pneus? Porque essa é uma forma de olhar para nós. É urgente considerar construções de contrapoder”
Na opinião de Carlès Riera, da Fundação de Desenvolvimento Comunitário, da Catalunha, o momento atual é de tensão entre o global e a diversidade. Riera lembra que o projeto sonhado pela esquerda era de um mundo igualitário, mas, quando chegou ao poder, avançou na homogeneização. Então, qual é a saída para crescer fora do atual sistema sem cair nesse erro? Com a cooperação e a solidariedade entre diferentes movimentos e experiências libertadoras. “Na dialética e tensão entre o que é comum e o que é global, aí estará a criatividade. Não queremos pensar numa superestrutura que nos supere ou nos anule, mas sim uma integração contínua, construir redes e movimentos globais, construir alternativas e movimentos políticos em comum”, afirma.
Mudança foi a tônica do discurso do chileno Gustavo Marin, do Fórum por uma Nova Governança Mundial: “A queda do Muro de Berlim foi um marco histórico importante para muitos povos. Marcou a mudança de um mundo bipolar para um mundo multipolar. Mundo onde povos distintos não são equivalentes.” E ainda: “A mudança da história não vem dos grandes, vem dos pequenos. Essa mudança será longa, transição histórica, secular. E será tecnológica, científica, social e política. Eu diria, ainda, imprevisível e inesperada. O mais provável é que o Estado desapareça progressivamente no século XXI”.
Por fim, a união dos movimentos sociais é um dos mais importantes pontos a serem observados para os que querem a mudança social. É o que diz Joba Alves, da coordenação nacional do Movimento dos Sem Terra (MST). Para ele, a Colômbia pode ser vista como exemplo pedagógico para o Brasil, já que as cerca de 2 mil organizações e partidos políticos têm uma bandeira comum resolver o conflito social colombiano. A edição deste ano do Congresso Camponês, que reuniu as entidades mobilizadoras de campo de todo o Brasil, é uma começo. “São as lutas de massa que constroem alguma coisa. Temos que baixar as nossas vaidades e nossos egos. Sem lutas de massa, ação e unidade política a mudança não acontece”, conclui Joba.
A VII Plataforma Ibase “Organizações de Cidadania ativa diante dos desafios planetários”, como foi batizado o seminário, foi realizado em Vassouras, entre 24 e 26 deste mês, e contou com o patrocínio dos Correios, CAIXA e Petrobras.