Um Brasil onde nem tudo acaba em samba
Camila Nobrega
Do Canal Ibase
Enviada a Bonn (Alemanha)
Sob o tema “O futuro do crescimento – valores econômicos e a mídia”, o Fórum Global de Mídia, que aconteceu esta semana, em Bonn, na Alemanha, já começou em meio à ebulição de assuntos que tiraram dos trilhos a possibilidade de discutir a transição para uma economia menos impactante ao meio ambiente, sem pensar em mudanças sociais. Turcos chegaram à conferência arrefecidos pelo movimento da praça Taksim, libaneses queriam discutir a liberdade de expressão, assim como o Chad, que pediu apoio do evento para libertar três jornalistas presos pelo governo. Já africanos queriam (com toda razão) falar sobre a transparência das centenas de cooperações internacionais no continente, sem esquecer a questão da pobreza. O cenário já estava cheio, mas um novo ator se apresentou, de forma inesperada: o Brasil. Dessa vez, não foi a Amazônia que suscitou a curiosidade de estrangeiros sobre o nosso país, mas o movimento que toma as ruas de cidades brasileiras.
Dessa vez, ninguém pediu aos brasileiros para mostrarem o que é “samba”, como de praxe. Estavam curiosos para saber como o levante popular no país ganhou esta proporção. Há pelo menos três dias, os protestos ganharam espaço nos principais jornais alemães. Na França, o assunto foi capa do Le Monde desta quarta-feira (19/06) e repórteres do jornal inglês The Guardian buscavam os brasileiros na conferência para entender melhor o que se passa.
Após discursar na última plenária do evento, a ativista indiana sentenciou sua resposta:
– É um movimento global pipocando em vários cantos. Os protestos no Brasil estão inseridos na mesma lógica do movimento da Turquia e em outros lugares. Não há mais como sustentar sistemas econômicos que internalizam custos sociais e sistemas políticos que excluem a participação social – disse Vandana Shiva, em entrevista ao Canal Ibase.
Shiva havia discursado exatamente sobre a necessidade de países em desenvolvimento exigirem aumento da transparência e do controle social sobre os governos. Assim como outros pensadores brasileiros e estrangeiros, ela também traz à cena a necessidade de se pensar reformas mais estruturais (no caso do Brasil, entre outros exemplos há a reforma política, ainda longe de sair do papel). Não se trata de um levante contra o partido que está no poder, segundo ela, mas contra um sistema que precisa ser modificado.
Durante três dias, a pequenina Bonn, antiga capital alemã, recebeu cerca de 2.500 pessoas de mais de cem países para debater o desenvolvimento sustentável e o papel da mídia, no evento organizado pela rede de comunicação alemã Deutsche Welle. Entre as mais de 20 pessoas das mais diversas origens com quem falei sobre os protestos que vêm ocorrendo no Brasil, incluindo o crítico político Noam Chomsky, apenas uma não havia ouvido falar sobre o assunto.
“Desenvolvimento sustentável não existe sem justiça social”
A maior parte das pessoas havia ouvido que se trata de uma tentativa de fazer com que a Copa do Mundo e as Olimpíadas se convertam em mudanças estruturais para a sociedade brasileira. Para a consultora em desenvolvimento Laurencia Adams, de Gana, as críticas crescentes da sociedade civil na América Latina, neste momento especialmente no Brasil, deixam evidentes a falta de transparência do poder público e de diálogo com diversos setores da sociedade.
– Em Gana, a sociedade está começando a pedir as contas ao governo, pela primeira vez há mobilização. Acho que nossa sociedade civil ainda é muito pouco ativa, mas movimentos como a Primavera Árabe e o que ocorre agora no Brasil são inspirações.
Laurencia, nativa de Gana, tem um trabalho voltado especialmente para pequenos agricultores e deu entrevista ao som de Bossa Nova (bastante comum em Bonn). Quis saber o significado da letra: “A tristeza tem sempre uma esperança, de um dia não ser mais triste não”, eu traduzi. Sorriu, achou que tinha a ver com o momento em que o Brasil vive.
Para Mette Elf, diretora do departamento de sustentabilidade da prefeitura de Copenhague, considerada uma das cidades mais verdes do mundo, os movimentos deixam um paradoxo em evidência:
– Os governos precisam aprender que desenvolvimento sustentável não é desenvolvimento verde. Ele não existe sem justiça social. Não adianta construir estádios bonitos e deixar a população fora deles.
A afirmação foi reforçada por Maryke van Staden, representante da rede ICLEI, de governos e cidades dedicadas ao desenvolvimento sustentável. Ela, que é sul-africana, ressaltou ainda o tempo restante para que os brasileiros aprendam com os erros da África do Sul na realização da Copa.
– Os sul-africanos ficaram completamente desiludidos. O dinheiro da Copa foi embora, foi aplicado em coisas que não mudaram a vida deles. O Brasil ainda tem tempo de fazer diferente.
Para a jornalista Pavana Navese, do Azerbaijão, a principal questão é a liberdade de mídia:
– Nós vivemos uma situação de censura, achávamos que no Brasil era diferente. Mas estamos descobrindo que, no fundo, só há espaço para poucos veículos, e que parte da informação não é veiculada. Isso não é liberdade.
No último dia da conferência, multiplicaram-se cumprimentos e manifestações de apoio ao Brasil.
– Tchau, moça do Brasil, um dia também teremos nosso movimento, do nosso jeito – disse-me a colega de Gana na despedida.
O país dela ainda não concorre à Copa. Tem 60% da população vivendo no campo sob o modelo de agricultura de subsistência e luta contra o crescimento do abismo entre ricos e pobres, com a formação de uma nova classe média. Da estação central de trem de Colônia, cada um pega seu trem rumo às próprias urgências de realidades bastante diferentes. Os contextos locais se sobrepõem a qualquer tentativa de generalizar o conceito de sustentabilidade. Mas, na diversidade, há muito a se aprender em prol da garantia dos direitos humanos e do papel da sociedade como uma outra voz.