Um polêmico desenho das manifestações
Rogério Daflon
do Canal Ibase
Em debate esta semana no Instituto dos Arquitetos do Brasil, no Rio, sobre as manifestações, o arquiteto e desenhista carioca Claudius Ceccon aproveitou sua larga experiência na imprensa para afirmar, com total segurança, que a grande mídia nem tangenciou o que ocorreu nas ruas. Em entrevista ao Canal Ibase, Claudius, que publicou seus primeiros trabalhos no Jornal do Brasil em 1957, foi ainda além. Um dos fundadores do Pasquim, ele analisa o peso das redes socais como fontes de informação, comenta a ação desastrosa da polícia, vinculando-as aos chefes dos executivos locais, e diz que o papel dos arquitetos e urbanistas, neste momento, é estar cada vez mais atentos a decifrar os anseios da população. De quebra, Claudius ainda disponibilizou seus cartuns sobre esses temas.
Canal Ibase: Aproveitando sua experiência na imprensa desde o Pasquim, gostaria de saber sua opinião de como se comportou a grande mídia nas manifestações de julho?
Claudius Ceccon: Acho que começou muito mal, depois evoluiu para mais ou menos, à medida em que seus próprios jornalistas sofreram as consequências de uma ação policial truculenta, mas essa evolução não chegou a um ponto satisfatório. Ela não quis ou não conseguiu entender o que está acontecendo. Então…Suponhamos que um milhão de pessoas veio para a rua e cada uma dessas pessoas, tendo vivenciado o que aconteceu, comparou sua experiência com o que rádios, jornais, revistas e televisões relataram. Essas pessoas terão constatado quão tendenciosa e insatisfatória foi a cobertura que leram, escutaram ou viram nas diversas mídias. Suponhamos que tenham compartilhado sua decepção, indignação ou desprezo – conforme o caso – com sua família e com amigos, muitos dos quais viveram histórias semelhantes. Podemos calcular que temos aí cinco, dez ou mais milhões de pessoas que tiveram a confirmação do que já pensavam da mídia ou que descobriram agora a distância entre fatos e versões dos fatos. Perderam a confiança, para dizer o mínimo. Contraponha isso à quantidade de informações, análises e testemunhos pessoais que podem ser encontrados nas redes sociais e teremos um quadro difícil de ser revertido pela grande mídia. Ela perdeu credibilidade, mesmo tendo aberto espaço para análises independentes e garantido a um ou outro colunista emitir uma opinião contrária aos interesses dos proprietários dos meios. A grande mídia perdeu o monopólio que antes detinha: o de atribuir significado aos eventos.
Canal Ibase: Qual é a sua leitura das ações policiais nesse movimento aqui no Rio?
Claudius Ceccon: As ações policiais foram estúpidas, brutais, reveladoras do que pensam os chefes de governo municipal e estadual do Rio de Janeiro, que ordenaram a repressão violenta aos manifestantes, ao mesmo tempo em que não protegeram os bens públicos e privados do vandalismo de uma minoria. Minoria esta, sabe-se agora, onde havia desde policiais infiltrados, neonazistas e até marginais que, em época de eleições, atuam como cabos eleitorais nas regiões dominadas pela milícia. Praticamente em toda a zona oeste do Rio de Janeiro a população vive em permanente estado de terror, imposto com a conivência dos que deveriam protegê-la.
Na sua análise, qual é o papel dos arquitetos e urbanistas após os recados dados pelas ruas?
Houve um debate no IAB-RJ, nesta segunda-feira 8 de julho, para responder a esses recados. Os arquitetos e urbanistas lutam pelo direito à cidade, pelo acesso democrático aos seus bens, com a participação de todos. Ao recado dado pelas ruas os arquitetos e urbanistas têm respostas concretas, éticas, legais: contra decisões tomadas em gabinetes fechados, sem consulta à população; contra a corrupção de grandes obras superfaturadas; contra a inacreditável aliança dos executivos estadual e municipal com as grandes empreiteiras que financiaram suas eleições; contra o autoritarismo e a arrogância desses dirigentes, que impõem suas vontades sem consulta pública prévia, sem discussão aberta, sem ouvir qualquer voz discordante, seja de moradores da Vila Autódromo, seja de órgãos de classe, seja de especialistas de várias áreas e matizes. O IAB nacional se posicionou com propostas concretas relativas a concursos públicos, que só devem considerar projetos detalhados e com orçamento definido. O IAB propõe, como meta nacional, a urbanização de favelas e loteamentos de periferia. Propõe um Programa de Universalização do Crédito Imobiliário, com financiamento de casa própria diretamente ao morador e assistência técnica, para aquisição ou melhoria da casa e eliminação de riscos geotécnicos, ambientais e construtivos. Propõe a implantação de sistemas de planejamento urbano e metropolitano, que estude e proponha modelos alternativos de mobilidade. A resposta dos arquitetos e urbanistas também passa por um aprendizado de escuta dos anseios da população, em aliança com outras categorias profissionais, num processo de aperfeiçoamento dos instrumentos democráticos de participação cidadã. A cidade não é, não pode ser um negócio especulativo, não pode ter seu destino determinado pela especulação imobiliária e por uma visão estreita, elitista e excludente. A cidade é o lugar privilegiado de realização da democracia – para todos, não para alguns. O clamor das ruas expressa esse mal estar geral contra tudo o que está profundamente errado, que parecia definitivamente “naturalizado”. Não mais. O gigante acordou. Arregacemos as mangas.
Santoro
12 de julho de 2013 @ 21:48
Excelente exposição e análise, inclusive colocando no lugar correto o que representa “terrorismo” e “vandalismo”, figuras criadas pelo próprio Estado no sentido de esconder a sua verdadeira face que nada mais é do que o verdadeiro crime organizado. Parabéns e estamos juntos, na luta.