Um pouco de guerrilha para a comunicação
por Beatriz Noronha
do Canal Ibase
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Fotos: Beatriz Noronha
Garantir uma contrainformação que seja fiel às vozes dos índios e leal à resistência de um movimento tornou-se quase frase ritualística, repetida diversas vezes por Fernando Soares, membro do coletivo de comunicação da Aldeia Maracanã. Como se precisassem com urgência fazer ouvir inúmeras vozes silenciadas ao longo da história, o coletivo de comunicação, imersão no território desde o final do ano passado, vem transmitindo informações, dando auxílio à infraestrutura e buscado pautar a mídia brasileira e internacional.
“Ficamos diariamente aqui na Aldeia, somos cerca de 10 pessoas na comunicação, junto com todos os envolvidos, e estamos divididos em coletivos. A ideia é auxiliar na manutenção de infraestrutura e habitação do espaço”, diz Fernando, que completa afirmando que o interesse maior do coletivo é garantir que outros movimento de apoio a causa tenham acesso à informações fidedignas. Quanto às mídias externas, o grupo faz questão de ressaltar que não centraliza informações, ao contrário, incentiva que partam de diversos outros grupos, coletivos, fontes.
Para dar conta de disseminar as informações com agilidade, os residentes do coletivo participaram de um laboratório de comunicação de guerrilha assim que chegaram na Aldeia. A capacitação tem o objetivo de trazer o que chamam de informação ontópica, uma forma de pensar e fazer comunicação partindo diretamente do território, com auxílio do coletivo Rio 40 Caos (que atua divulgando informações sobre processos de remoção e ocupação). A intenção é simples: dar sustentação às causas sociais e humanas que, segundo os indígenas, “precisam ser vistas por outros olhares, mais atentos e sensíveis, tentando evitar assim sua violação pela sociedade, e pela própria mídia”.
Com um 3G precário, o coletivo se vira com o ritmo lento – dos computadores, e do reconhecimento da Aldeia como território indígena por direito, compulsoriamente adiado. Com auxílio jurídico e voluntários, a defesa contra ações invasivas do poder público no território do Museu é feita por bases legais. O movimento é para que o governo local desista de querer conquistar um território que, conforme consta no 11º Registro de Imóveis (RGI), sob o número 62.610, não lhe cabe. Segundo João Batista Damasceno, membro da Associação de Juízes Para a Democracia, a propriedade do antigo Museu do Índio é do Governo Federal, o significa que enquanto patrimônio da União, é imprescritível e inalienável. Não pode, portanto, ser vendida.
A comunicação de guerrilha se apoia em estratégias diversas, uma delas é a ocupação permanente do espaço da Aldeia, de forma a garantir um processo de resistência no território, a outra é tentar articular o processo de informação com o processo jurídico-político, envolvendo Governo Federal, diversos órgãos públicos e a própria sociedade, numa espécie de guerra de posições para buscar apoios. “Isso vem ocorrendo muito a contento, principalmente nas últimas semanas, após o dia 12, dia da invasão militar”, explica Fernando.
Baré Manauara, estudante de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e morador da Aldeia, manifestou-se com a propriedade de quem vive e pesquisa a história de sua gente. Comentou que diante de tudo o que já foi dito, é importante que a grande mídia entenda que a presença dos índios, no Museu criado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, significa mais que ter um lugar para morar. “Se nós sairmos deste local doado por Marquês de Saxe à causa indígena no século XIX, vamos abrir mão do que é nosso por direito”, explicou com o olhar perdido nos restos de uma fogueira da noite anterior. Indagou com o sotaque ‘andarilho’ de quem já viveu em muitas partes, se acaso eu conhecia alguém que gostasse de abrir mão dos seus direitos. “Nós sabemos que o Estado falha, não podemos confiar nas promessas e ações dele, por isso estamos ocupando legitimamente para resguardar nosso lugar de memória”, repetiu que a saída do prédio só iria deslegitimar a doação e que o local não foi invadido em 2006, mas que apenas retomaram um território indígena.
A luta da Aldeia, segundo o coletivo, é pelo valor histórico do antigo prédio e sua representação para o indigenismo brasileiro. Dauá, da etnia dos Puris, não poupa a firmeza da voz ao dizer que “a ocupação é legítima e importante para construção de nossas referências, não só nossas, as indígenas, mas de todo o povo que também é dono desse espaço que é público”. E encerra, contornando os cachos grisalhos que lhe caíam pelo rosto, “a Aldeia é terra sagrada, e tem que permanecer aonde está”.
A ocupação da Aldeia sinaliza para a comunicação mais que um ato isolado. Dados do Censo 2010, do IBGE, somam mais de 6 mil indígenas só na cidade do Rio de Janeiro. Para o movimento dos resistentes, acampados no Museu, as políticas públicas não estão funcionando como deveriam para dar visibilidade às lutas sociais. De acordo com a comunicação do movimento, ainda que nem todos percebam, trata-se de uma luta comum, isso significa que um parecer favorável à desocupação e demolição será também uma perda compartilhada por toda a sociedade. Os membros do coletivo ressaltam que desejam fomentar novas alianças, como observou Fernando Soares: “queremos fazer uma agenda comum tanto em defesa da Aldeia Maracanã quanto dos demais movimentos que precisam se colocar em defesa contra o projeto de higienização e elitização social em vigência”.
O coletivo de comunicação reconhece o recente anúncio de um possível tombamento do Museu como um passo em direção a maiores conquistas para a luta dos índios, mas ressalta que a gestão do território da Aldeia permanece como foco de atenção e mobilização. “Entendemos, junto com o Coletivo da Aldeia (Quilombo), que a luta continua! Uma coisa é a integração forçada do prédio à lógica urbana de cidade global de exceção, outra é o reconhecimento desta área como território indígena, com perspectiva de uso e gestão dela por seus sujeitos de direitos: povos da Aldeia Maracanã”, comenta. Neste sentido, o coletivo dá início à campanha por uma universidade indígena, que começa a ser articulada com os movimentos sociais. A ideia é que a universidade seja um legado social da Copa e das Olimpíadas em respeito à cultura indigenista brasileira.
Arcelina helena publio cias
4 de fevereiro de 2013 @ 11:05
Na condição de jornalista e professora aposentada de jornalismo na UnB, só posso parabenizar com a luta e a utilização da comunicação de guerrilha… um termo muito querido da minha geração. Fico feliz que possa ser usado para manifestações pacíficas e com a mesma garra de luta por direitos. Estamos ao seu lado e envio as minhas orações contantes.
Coragem, venceremos. Arcelina